Geral

Geral

Titulo

Dona Pitita, minha benzedeira


Quando criança, meu comportamento não era o dos melhores. O nome que se dá hoje é hiperativo (popularmente, éramos conhecidos como “arteiros”, “moleques”, “levados”, “travessos”, “meninos endemoninhados”, etc).

Meu pai chamava-me a atenção com um assobio. Com minha mãe o negócio era diferente. Voava chinelo, correria dentro de casa e na rua... E o tapa? Ixi... onde acertava era onde tinha de acertar. Mas foi minha mãe que permaneceu aos arredores de casa e permanece por perto até hoje.

Abre parênteses. Nasci em berço católico. Meu avô paterno seria padre; minha avó, freira. Coube ao destino apontar a dureção nesta bifurcação entre a santa vocação e o amor que duraria até a morte. Meu avô, soldado no período da 2ª Guerra, conheceu minha avó, que cuidava dos enfermos (meu avô Lélis era um deles) no Exército do Rio de Janeiro. Depois desse encontro, foram treze filhos. Que santa vocação! Fecha parênteses.

Havia dias que toda aquela pedagogia de correção não funcionava. Então me levavam a uma senhora que morava de frente nossa casa. Fiquei sabendo semana passada que ela faleceu em 2011. Fiquei triste. Fiquei mesmo. Ela era minha benzedeira para os momentos impossíveis que mais gostava.

Dona Pitita. Ficava sentada numa cadeira. Eu, com os braços colados ao corpo, de frente pra ela. Meus pais assistiam esperançosos aquele ritual. Dona Pitita tinha como instrumento um raminho verde. Balbuciava uma reza incompreensível, enquanto todo o meu corpo era desfeito de todo o mal que em mim, segundo meus pais e a própria benzedeira, se abrigava.

Tinha outras benzedeiras, mas a dona Pitita era a melhor. Não aceitava nem palavra de gratidão. Não podia, pois poderia perder a "bênção". Tinha de ser de graça. Se – eu disse “se” – meus pais quisessem, poderiam levar alimento para ela mesma consumir. Que maravilha de benzedeira! Tirava o mal do corpo das crianças em troca de comida, e isso, se os responsáveis assim desejassem.

Dona Pitita, a melhor benzedeira que já conheci. A melhor, porque passei por outras. Outras que aceitavam uma palavra de gratidão, grana, e muitos itens a mais da lista. Dona Pitita, não. Ela só aceitava comida pra si. Era uma senhora pobre, morava numa casa só nos tijolos, sem emboço algum. Negra, de cabelos misteriosos, encobertos por um lenço colorido, mãos frias e enrugadíssimas, porém, delicadas e ágeis com seus raminhos. Nenhum dente na boca. Os lábios rezavam com um som doce, atraente. Não havia mal que ficasse em mim. Durante a sessão não sentia absolutamente nada. Nenhum arrepio, nenhuma visão, nenhuma sensação mística senão ser contagiado por aquela doçura de senhora. Voltava constrangido para casa. Pronto! Decidia ser um bom menino.

Aquele comportamento durava dois, três dias. Depois disso, assobios, chinelo voando, correrias e tapas, e uma nova visita à casa de dona Pitita.

NA GRAÇA
LELLIS

5 comentários

Cleinton disse...

Eu sabia que você era fã de uma macumba!! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
Brincadeiras à parte, também tive uma benzedeira em Tanabi, interior de São Paulo. Não tenho, no entanto, a tua boa memória para lembrar-lhe o nome. Só me lembro de ela ter me benzido, colocando fumo de rolo em minha cabeça, onde eu tinha um BERNE alojado. Berne é bicho que se pega andando descalço por pastos. O fumo mata o bicho, mas todo mundo cria que era a benzedeira. Eu também. Pensando em dona Pitita, e nos dias atuais, os pastores, bispos e apóstolos também não pedem nada. Se aceitam algo - e eu disse "SE" - é só para comprar o básico do básico; quatro fazendas de gado nelore no Mato Grosso, uma rede de televisão, 3 jatos da Embraer... Coisa de gente desprendida, entende?

Morah Ma disse...

Será que ainda se encontra benzedeiras em um mundo onde os problemas infantis se resolvem com ritalina???

Sinto falta também, das boas senhoras que nos transmitiam paz, sossego e serenidade e em um momento de silêncio nos fazia pensar em Deus.

E tem gente que acha isso tóxico e deixa que os médicos encham seus filhos de ritalina...

XKN disse...

Pelamordideusu. E ainda diz que crente? Santamariagospel. Esse mundo ta cabando. Cabando de ver, que pra servir ao próximo, um bom coração vale mais que mil diplomas. Valheu!

Ester disse...

Não tem jeito...você sempre me surpreende...que bom!

Anônimo disse...

queria saber de uma benzedeira perto do Méier rio de janeiro rj

Vídeos

Vídeos
Tecnologia do Blogger.